Caminhos para atuação da filantropia e do ISP na região Amazônica
Qualquer atuação da filantropia e do investimento social privado (ISP) na Amazônia deve considerar que a região é permeada por uma disputa fundamental de paradigmas: ainda que concepções alternativas estejam ganhando mais visibilidade, a dicotomia entre a busca pelo desenvolvimento econômico, de um lado, e a conservação ambiental, de outro, é transversal a esta discussão. Essa tensão se torna ainda mais complexa quando consideradas as populações que ali vivem e fazem parte dessas dinâmicas, em especial tendo em vista as gritantes desigualdades (econômicas, educacionais, de acesso a serviços públicos etc.) que os mais de 20 milhões de habitantes da região vivenciam.
O desenvolvimento social, inclusivo e sustentável da Amazônia é um tema urgente e que traz consigo questionamentos sobre novos modelos de desenvolvimento que sejam capazes de reduzir desigualdades e, ao mesmo tempo, garantir a proteção e a conservação ambiental do bioma amazônico – caminhando para uma menor anteposição e uma maior convivência entre aqueles paradigmas.
Ainda que a Amazônia tenha recebido muitos investimentos ao longo das últimas décadas – com destaque aos internacionais –, eles foram majoritariamente direcionados a iniciativas de proteção da biodiversidade local e fortalecimento dos povos tradicionais e indígenas. Entretanto, a região é caracterizada por baixo desenvolvimento humano e econômico, de modo que outras agendas sociais e de desenvolvimento também merecem ser objeto de atenção e alocação de recursos.
Diretrizes basilares
Diante da importância da região e da urgência dos desafios latentes no cenário atual, há um enorme potencial de atuação do ISP brasileiro na Amazônia, desenvolvendo e articulando diferentes dimensões. Para além de enfoques e estratégias em agendas setoriais (que serão retratadas de maneira específica abaixo), cabe destacar algumas diretrizes mais gerais, relevantes na concepção e implementação de qualquer iniciativa filantrópica na região:
Interlocução e parceria com as comunidades locais e tradicionais
A escuta e envolvimento das comunidades locais (rurais e urbanas, incluindo os povos indígenas e comunidades tradicionais) devem permear os diferentes momentos de uma iniciativa, de modo a garantir que suas necessidades e interesses sejam considerados naquilo que será proposto.
Fortalecimento das instituições locais
Garantindo o envolvimento de públicos diversos e buscando fortalecer o tecido social da região, as organizações do ISP devem evitar levar “soluções prontas”, desenvolvidas em outras regiões e realidades. Ao contrário, a cocriação de soluções a partir das experiências e conhecimentos locais pode ampliar a relevância, penetração e efetividade das iniciativas desenvolvidas. E isso também pode ser feito dando centralidade às organizações da região nos desenhos das iniciativas apoiadas.
Perspectiva de longo prazo e abordagem sistêmica
As características, dinâmicas de relações e complexidade dos desafios existentes na região amazônica demandam uma perspectiva mais ampla de tempo para que seja possível promover mudanças efetivas, assim como uma boa articulação entre pautas adjacentes na concepção e metodologia das iniciativas propostas.
Coordenação de esforços
A fim de evitar a sobreposição de esforços e recursos, de um lado, e assegurar maior convergência nas ações, de outro, está posta ao ISP a necessidade de uma ação coordenada na região. Segundo demonstrado no último Censo GIFE, institutos e fundações têm vocação para realização de parcerias na implementação de seus projetos (prioritariamente com OSCs e, em seguida, com o poder público) – e essa é uma característica a ser potencializada aqui. O movimento de avolumar investimentos sociais na Amazônia pode ser uma janela de oportunidade para uma ação colaborativa, capaz de alavancar os resultados almejados pela ação filantrópica na região.
Atenção à diversidade territorial da região
A Amazônia é um território extenso e diverso. Qualquer iniciativa desenvolvida nesse ambiente deve considerar as especificidades das localidades de atuação – há, por exemplo, importantes diferenças nas características de áreas conservadas, desmatadas, em zonas de transição ou urbanas.
Estratégias centrais
As diferentes agendas de atuação têm potenciais e requerem abordagens e caminhos específicos. Ainda assim, há estratégias centrais que podem ser destacadas de modo transversal aos diferentes temas:
Canalização de recursos
para o desenvolvimento sustentável da região, envolvendo e integrando diferentes dimensões. Há larga margem por se explorar o caráter flexível dos recursos oriundos do ISP.
Mapeamento de atores e iniciativas relevantes
já desenvolvidas e que podem ser potencializadas por meio da participação do ISP.
Produção de conhecimento
orientada à ampliação da compreensão sobre o bioma amazônico e a realidade e complexidade da região, de modo a reverter externalidades negativas e qualificar impactos socioambientais positivos.
Consolidação de boas práticas e experiências
nas diferentes frentes de atuação, a fim de sistematizar iniciativas que fortaleçam narrativas e abordagens de desenvolvimento da região e que apoiem a conscientização e mobilização dos atores que anseiam trabalhar pela Amazônia.
Consideração e apoio ao que já constitui uma agenda de advocacy
da e para a região, tanto no que diz respeito ao que já foi identificado como necessidade de aprimoramento de políticas públicas, como também para alimentar novas agendas de interlocução público-privadas.